QUARENTENA
o tempo todo, o medo. a morte ali, espreitando. você, inquieto, sentado diante da televisão vendo as notícias sobre o tal vírus. você, de mãos atadas esperando e torcendo para que tudo acabe. mas não acaba. você deita e dorme noites mal dormidas e acorda e torce para que tudo seja só um sonho. não é. no dia seguinte você abre os olhos, cansado, e percebe que é tudo sempre igual, as mesmas angústias. pandemia é palavra odiosa pronunciada aos quatro ventos. você queria sair, ir trabalhar, viver. não pode, está preso num estado de letargia. você se sente um inútil. se sente um inútil, um inútil. sua mulher olha para você e diz que a comida está acabando, que as contas estão vencidas e você não sabe o que fazer. não tem emprego. só o que tem é a miséria de um auxílio que o governo dá. melhor que nada, diz a mulher. você concorda e confere o celular pela milésima vez na esperança de que o dinheiro esteja na conta, mas a merda do aplicativo não funciona. você fica desesperado, desiste e chora e reza para que inventem logo uma vacina. e as horas passam, e você senta-se diante da televisão para assistir a contagem dos mortos. depois, vai pra cama, exausto, cansado de viver em eterna espera e dorme e sabe que vai ser mais uma noite mal dormida; dorme e sonha com uma velha vida, aquela que ficou pra trás. e acorda pela manhã, ainda cansado. e abre os olhos e torce para que tudo tenha sido só um sonho. mas logo você sente um hálito quente em sua nuca e você pensa que é a sua mulher; mas não é, é a decepção o agarrando por trás e dizendo que é só mais um dia de quarentena...
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